quarta-feira, 16 de julho de 2008

Arte de envelhecer, o caramba!


Fiquei assim por um tempo na banheira, até pegar um livro de contos e escolher uma página qualquer. A primeira frase dizia: Já fui jovem, e não sabia. Afundei de vez na água. Estou com 43 anos e envelhecer está sendo uma droga

Por Gisela Rao

Entrei na banheira quente de uma vez só. Enchi o cabelo de máscara hidratante e afundei na água. Os fios castanhos tingidos se espalharam por todos os lados como os tentáculos de uma água-viva. Peguei o tabletinho de sal de banho e botei sobre a minha coxa para ver se sentia os rumores das pequenas bolhas, mas não, não senti nada. Fiquei assim por um tempo, até pegar um livro de contos e escolher uma página qualquer. A primeira frase dizia: “Já fui jovem, e não sabia”. Afundei de vez na água. Estou com 43 anos e envelhecer está sendo um c-.

Acontece que estou percebendo que não sou mais jovem no mesmo e exato momento em que me vejo fora do peso e em que voltei a usar a droga de um óculos que me detonou a auto-estima a vida inteira. Achei que tinha me livrado da miopia. Eu tinha quatro graus, 9 anos e um óculos azul que fazia com que vários filhos da mãe que estudaram comigo rissem de mim. Agora a miopia tinha voltado, depois de 10 anos de liberdade, e nem de longe imagino o que seja meter nas minhas córneas uma lente gelatinosa que tem que estar sempre limpinha.

Olha, eu juro que não esperava começar esse artigo tomando um banho de banheira, nem muito menos amaldiçoando meus colegas de colégio. Mas hoje, hoje estou me sentindo tudo isso mesmo: velha, gorda, míope, baixinha e sem talento nenhum. E o pior de tudo é que nem sequer estou de TPM. Ou seja: ferrou!

A gata cinza mia no sofá pedindo alguma coisa mais emocionante que a ração de sempre. Talvez um presuntinho, talvez um peito de peru defumado. Foi por causa dela que comecei a pensar na velhice. Ela, com sua mania de se jogar na minha frente toda vez em que faço xixi e de pedir pra passar a mão cheia d´água em seu corpo magrinho. Foi assim que comecei a prestar atenção nos pêlos brancos que surgiam em nós duas. Não foi tão ruim quando aparecerem, há 3 anos, discretinhos na minha sobrancelha. Mas foi apavorante quando o primeiro nasceu sorridente em meio aos tantos negros do meu ventre já um pouco cansado de guerra.

O sofá-cama da sala está aberto e bagunçado por um lençol com desenhos de jaboticabas, um livro e um desses remédios que a gente pinga no nariz na esperança de respirar melhor. Estou com sono, mas tenho medo de me sentir mais solitária ainda na cama. Não porque meu namorado, catorze anos mais jovem, esteja em Chicago, mas porque quando começamos a achar que estamos ficando velhos temos mais medo ainda da escuridão. Não a escuridão com “e” minúsculo, mas a com “E” maiúsculo, grande e escancarado. Quem disse isso não fui eu, mas sim a enfermeira no filme francês “Medos privados em lugares públicos”.

Meus olhos começaram a coçar. Eles sempre coçam quando estou nervosa ou tensa demais. Tudo piora com os pêlos da gata agarrados às moléculas de oxigênio do ar. Eu os esfrego e tudo vira definitivamente um caos. Então, agora danou-se: estou velha, gordota, baixinha, míope, sem talento e com os olhos vermelhos e esbugalhados. Mesmo assim, sei que irei para a cama em breve, dormirei e tudo parecerá melhor quando acordar e comer meu iogurte de morango, zero por cento de gordura, com três amêndoas cravadas. Anti-oxidantes.

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