Virada de mesa...

GENTE, ESSA É A CAPA DA REVISTA QUE SAIU A MINHA REPORTAGEM E A MATÉRIA TODA VEM LOGO ABAIXO:
EU ESTAVA DEVENDO ISSO À VCS...
BEIJOS
Histórias de mulheres que souberam transformar problemas em profundas lições
<“EU CELEBRO A VIDA”
Márcia Paula Hilário Vaz quer transmitir coragem a quem, como ela, está na fila de transplante à espera de um rim.

Sou uma leitora assídua de UMA, tenho 30 anos, e no dia 3 de janeiro comemorei 1 ano de hemodiálise. Comemorei? Isso mesmo que você leu, faço hemodiálise diariamente (sou bonita, jovem, casada, tenho dois filhos lindos) e comprei um bolo, abri um champanhe e brindei à vida, a minha vida. Tudo começou há 11 anos, quando tive uma febre estranha, dores no corpo, várias doenças foram apontadas, mas só com a biópsia renal chegou-se ao diagnóstico. Eu sou fi lha caçula, tenho dois irmãos. Antes de fi car doente, era bailarina clássica e viajava com o grupo fazendo apresentações pelo Brasil. Adoro a dança. Aos 17 anos, fui para o interior de São Paulo prestar vestibular. Na viagem de volta, meu pai enfartou, eu e minha mãe achamos que ele tivesse morrido, passamos o que considero o pior momento da minha vida. Graças a Deus, ele se recuperou e hoje está bem. Após esse trauma, comecei a ter os sintomas da doença. Para chegar ao diagnóstico, me submeti a vários exames investigativos. Eu apresentava uma infecção urinária recorrente. A partir daí, o médico da minha família sugeriu uma biópsia renal, que detectou a insuficiência do órgão. Passei a fazer tratamento. A vida continuava, nunca desanimei, apesar das perspectivas. Formei-me em Direito, casei, tive meu primeiro filho e, na segunda gestação, o quadro piorou muito, mesmo assim consegui ter minha filha e fiz questão de amamentá-la por um ano, já que eu não sabia o que poderia acontecer comigo. Vivi três anos com apenas 8% da capacidade renal, mas eu tentava não entrar na hemodiálise, que acabou sendo necessária. Faço o tratamento numa clínica especializada, aqui em Brasília, onde moro.

Sabe o que considero minha virada de mesa? Abandonar aquela menina cercada de proteção e tomar a decisão de não me tornar vítima; não usar o poder pessoal que uma doença nos concede; não manipular as pessoas queridas; e ter consciência sobre todas as implicâncias que ela acarreta. Posso dizer que o que acho mais difícil disso tudo é a restrição de água, só 500 ml por dia. Mas eu sou muito feliz, parece que tenho Prozac nas veias, quando penso em reclamar, penso nas pessoas que cuidam de mim, me lembro de tantas doenças em que não há uma máquina pra ajudar o doente a esperar um transplante. Desde que ficou decidido que eu faria hemodiálise, senti o forte desejo de ajudar as pessoas que sofrem com a insuficiência renal, de fazer a diferença, levando a elas coragem e fé, pois nós, portadores dessa doença, somos marginalizados, olhados com dó. E dó é um sentimento que não ajuda, apenas martiriza. No meu 1o dia de hemo, falei pra minha família: “Eu vou sozinha, não quero ninguém lá comigo”... Fui toda durona, com o coração pequenininho, o meu médico me abriu um sorrisão, o enfermeiro estava lá pra colocar as agulhas, me senti tão bem cuidada que o medo passou. Quando estava na metade da hemo, o médico disse: “Márcia, tá tudo bem, você foi muito corajosa, nem chorou, agora posso trazer seus pais?”. “Meus pais? Eu falei que queria vir sozinha.” Então ele me contou que, logo que saí de casa, eles saíram atrás e estavam aflitos na recepção. Perguntou se eles podiam entrar e ver que estava tudo bem comigo. Engoli o choro e vi meus dois velhinhos muito lindos, com um olhar desalentador. Pensei comigo, ‘ai se fosse um de meus filhos, eu iria sofrer muito’. Então eu abri um sorriso, falei que nem com dor eu estava. Juro que nunca senti tanta solidariedade dos meus pais como naquele dia. A vida é muito doida mesmo, um dia você está sadia, em outro depende de uma máquina pra viver. É por esse e por outros motivos que devemos ser misericordiosos com as pessoas, com o mundo e, principalmente, com nós mesmos. Tudo tem sua hora. Ouço muitas pessoas dizerem que sou forte. Forte é Deus que me conduz. Eu sou é feliz. Devemos ajudar quem precisa de amor, não quem está só doente. Existem doentes sadios na alma, existem sadios mortos de dor.

“O que sinto de verdade é uma esperança bonita que me guia, me conduz, me inspira e só isso pra mim já é o bastante”

Márcia mantém o blog: vousermelhor. blogspot.com, com fotos e relatos pessoais, no qual recebe diariamente cerca de 300 visitas. Está aguardando transplante numa fila com 16 mil pessoas.